Os Limites da Liberdade de Expressão e a Prestação Jurisdicional Frente à Prática de Ciberbullying

Fruto do Estado Democrático de Direito, a liberdade de expressão é um direito fundamental, positivado pelo ordenamento jurídico, que admite a manifestação do pensamento livre de interferência estatal ou qualquer forma de censura.

 

Ao recepcioná-lo e conferir-lhe ampla proteção, o objetivo da Constituição Federal é assegurar a participação social em pautas de interesse coletivo, reforçar o pluralismo de ideias e contribuir para a consolidação de uma sociedade livre.

 

Mas se de um lado a Constituição Federal prestigia a liberdade de expressão ao dispor, especificamente em seu artigo 5º, incisos IV e IX, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, por outro lado consagra o direito de resposta do ofendido e a inafastabilidade do controle jurisdicional ao determinar, especificamente em seu artigo 5º, incisos V e XXXV, que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

 

Significa dizer que o exercício de tal prerrogativa não é absoluto e deve ser exercido nos limites da lei. Inúmeras variáveis devem ser ponderadas ao publicar, difundir e propagar convicções, sobretudo a hipótese de o direito de fala ferir frontalmente valores relativos à honra, imagem ou a intimidade de outrém, direitos ligados à personalidade e também invioláveis à luz do texto constitucional.

 

Não por outro motivo, a Carta Magna assegura a livre manifestação do pensamento mas veda o anonimato, preservando o direito do terceiro de buscar o desagravo e a justa reparação sempre que vir-se atingido pelo abuso ou excesso do outro no exercício de sua liberdade de opinião.

 

Forte em tal premissa, muito embora a redação do Código de Processo Civil lecione ser competente o foro “do lugar do ato ou fato” nas ações de reparação de danos (art. 53, IV, alínea “a”), a atual jurisprudência curva-se ao afastamento da aplicação literal e engessada da norma processual civil ao reconhecer que, tratando-se de ilícito cometido na internet, o foro competente para julgamento da demanda será o de domicílio do Demandante.

 

E isto porque, se não raras vezes é difícil ao ofendido levar à juízo a identificação do autor da ofensa, de modo a viabilizar seu chamamento ao processo, mais penoso é apurar o exato local de onde se pratica a infração para, enfim, aplicarem-se as regras ordinárias de competência territorial instituídas pelo direito processual civil.

Além disso, o local onde reside o ofendido tende a ser onde o agravo ganhará maior notoriedade, de modo que, neste perímetro, é possível que soem os maiores ecos da prática delituosa.

 

Ao julgar o REsp 2032427/ SP, em 27/4/2023, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, havendo divulgação de ofensas por redes sociais, a competência para julgamento da ação é do foro do domicílio da vítima, mormente em razão de ser este o local da ampla divulgação do ato ilícito e onde ganhará maior repercussão. (REsp n. 2.032.427/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 27/4/2023, DJe de 4/5/2023.)

 

No informativo de Jurisprudência nº 774 do STJ, inclusive, referido julgado recebeu o seguinte destaque: “A competência para julgamento de ação de indenização por danos morais, decorrente de ofensas proferidas em rede social, é do foro do domicílio da vítima, em razão da ampla divulgação do ato ilícito”. (Fonte: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Informjuris20/article/view/12857/12962, p. 22. )

 

Evidentemente, a interação por detrás das telas não deve ser subterfúgio para que os conectados escapem aos rigores da lei, cabendo ao Poder Judiciário intervir para que o ambiente virtual não constitua óbice à responsabilização do ofensor.

 

E porquanto impossível o avanço do ordenamento jurídico a tempo e modo como inovam-se os formatos de comunicação através das mídias sociais, fontes secundárias do direito operam de forma articulada e propensa a contribuir para que o combate às condutas ilícitas praticadas perante a rede mundial de computadores não esteja prejudicada pela falta de alcance da norma, colocando a salvo o exercício dos direitos inerentes à livre manifestação intelectual, artística, política ou filosófica, sem descuidar da aplicação das sanções civís e penais oponíveis à prática de ciberbullying.

 

Não se trata da aplicação indistinta do texto normativo, mas de sua interpretação flexível e atenta aos novos modelos comportamentais, tudo a conferir-lhe irrestrita abrangência e garantir que direito e norma caminhem de forma harmônica e substancialmente ritmada.

 

Artigo escrito em 19/03/2024 por Mariana Caruzzo Marino, advogada da área cível do escritório de advocacia Cerqueira Leite Advogados Associados.

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