Os Quóruns de Deliberação da Sua Sociedade Limitada Estão Atualizados?

A sociedade limitada é o tipo societário mais comumente utilizado no Brasil, compreendendo desde pequenos negócios familiares até grandes operações. De acordo com os Painéis do Mapa de Empresas[1] divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, atualizados até 10 de novembro de 2023, existem hoje mais de 6.500.000 sociedades limitadas ativas no país, enquanto, por exemplo, existem pouco menos de 190.000 sociedades anônimas ativas.

 

Uma provável explicação para este fenômeno está no fato de que, além de ser uma sociedade de menor custo de manutenção, entender como funcionam as sociedades limitadas é, em princípio, relativamente simples. Trata-se do modelo societário mais intuitivo, onde, em linhas gerais, os sócios reúnem seus esforços e investimentos em prol de uma atividade, sendo que os resultados são distribuídos proporcionalmente à participação de cada um, e a responsabilidade é limitada também à participação de cada um.

 

Entretanto, com relação à “voz” de cada sócio em uma sociedade limitada, não é raro encontrar situações em que os quóruns de deliberação necessários para aprovação de um determinado tema não foram pensados estrategicamente pelos sócios quando da constituição da empresa (ou mesmo no ingresso de novos sócios).

 

Muitas vezes, há apenas a referência genérica à lei (o Código Civil Brasileiro), que deverá ser observada com relação aos quóruns necessários para a aprovação de determinados assuntos. Quando a sociedade vai bem e há sinergia entre os sócios, estes quóruns raramente são um problema. Entretanto, quando a sociedade não vai bem… Disputas entre sócios em uma sociedade limitada podem verdadeiramente travar o negócio, tendo o potencial de agravar situações que, de outra forma, poderiam ser superadas rapidamente em prol da empresa. Há ainda outro fator, o que acontece quando a lei referida no contrato social muda?

 

Sobre os quóruns de deliberação da sociedade limitada, o Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.4068/2002) estabeleceu as regras com as quais a maioria dos empresários estava familiarizada, conforme abaixo:

 

Matéria Quórum Necessário (até outubro/2022)
Designação de administrador não sócio caso o capital social não estivesse integralizado Unanimidade
Designação de administrador não sócio caso o capital social estivesse integralizado Mínimo de dois terços
Modificação do contrato social, incorporação, fusão, dissolução da sociedade ou a cessação do estado de liquidação Mínimo de três quartos
Designação dos administradores, quando feita em ato separado, a destituição dos administradores, o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato, e o pedido de recuperação extrajudicial ou judicial[2] Mínimo de mais da metade (50% + 1)
Demais casos previstos em lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada Maioria dos votos presentes

 

Entretanto, há pouco mais de um ano, a Lei nº 14.451/2022, que entrou em vigor em 21 de outubro de 2022, alterou os artigos 1.061 e 1.076 do Código Civil Brasileiro, alterando os quóruns de deliberação das sociedades limitadas, que passou a vigorar da seguinte maneira:

 

Matéria Quórum Necessário (após outubro/2022)
Designação de administrador não sócio caso o capital social não estivesse integralizado Mínimo de dois terços
Designação de administrador não sócio caso o capital social estivesse integralizado Mínimo de mais da metade (50% + 1)
Modificação do contrato social, incorporação, fusão, dissolução da sociedade ou a cessação do estado de liquidação, designação dos administradores, quando feita em ato separado, a destituição dos administradores, o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato, e o pedido de recuperação extrajudicial ou judicial[3] Mínimo de mais da metade (50% + 1)
Demais casos previstos em lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada Maioria dos votos presentes

 

Em termos práticos, a principal mudança foi a extinção do quórum de, no mínimo, três quartos (75%) do capital social para a aprovação da alteração de importantes pontos da sociedade, tais como o aumento do capital social, alteração do objeto social e da regra de distribuição de dividendos. Muitas sociedades limitadas foram estruturadas tendo este quórum mínimo em mente, de maneira a garantir que um sócio (ou sócios), ainda que minoritário, precisassem ser ouvidos no caso de alterações relevantes na empresa. Mas, com a alteração dos quóruns legais, isto não é mais verdade para as empresas que possuem apenas a referência genérica aos quóruns da lei em seus contratos sociais.

 

Isso porque, havendo referência apenas à lei, sem a reprodução expressa dos quóruns no contrato social — ou mesmo a indicação de quóruns personalizados –, aplicar-se-á a lei vigente para a deliberação a ser tomada sob a sua égide. Conforme os princípios que regem os conflitos de leis no tempo (art. 6º do Decreto-Lei nº 4.657/1942, alterado pela Lei nº 12.376/2010, a Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, e o art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal), a nova lei não atingirá o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. No caso dos contratos sociais, o seu teor, de fato, não será atingido pela nova lei. Entretanto, o ato jurídico atingido pela nova lei não é o contrato social, mas sim a reunião de sócios que for realizada sob a sua vigência.

 

Nesse sentido, mesmo após mais de um ano da entrada em vigor dos novos quóruns de deliberação das limitadas, o número de empresas que ainda mantem apenas referência genérica à lei é muito grande e, infelizmente, somente quando ocorrer um entrave entre os sócios é que este fator virá à tona. Por isso, é importante ter-se em mente que o contrato social não é apenas um documento burocrático elaborado apenas para constituir a empresa, mas sim o seu documento fundamental, que deve ser elaborado sob o ponto de vista estratégico e operacional, e mantido sempre atualizado pelos sócios.

 

[1] <https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas/painel-mapa-de-empresas>, acesso em 22/11/2023.

[2] O artigo 1.071, inciso VIII, ainda contém referência ao “pedido de concordata”, instituto este que foi extinto com o advento da Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências (Lei nº 11.101/2005).

[3] Idem.

 

For Dr. Fernando Abel Evangelista

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