Você tem medo de Offshore?

O mundo corporativo é repleto de jargões emprestados da língua inglesa, tais como joint venture, seed capital, business plan, stakeholder, NDA, MOU, LOI, CEO, dentre tantos outros. Esse fato não é de se estranhar considerando que encontramos em países anglófonos, tais como no Reino Unido e no Estados Unidos da América, os principais centros capitalistas do mundo, onde o direito corporativo desenvolveu-se (e desenvolve-se) como em nenhum outro lugar. A liderança destes centros em inovações no mundo dos negócios fez com que outras jurisdições “importassem” estas expressões para se referirem às suas próprias soluções, sejam idênticas ou semelhantes, para temas jurídico-empresariais.

 

Mas talvez nenhuma expressão cause tanto efeito quanto a palavra offshore, em especial depois de tantos e tantos escândalos envolvendo renomados políticos e empresários na história mais recente do Brasil. Nesse contexto, passamos a associar offshore como algo obscuro, como sendo uma intrincada estrutura desenvolvida com a finalidade de evadir divisas ou ocultar patrimônio ilícito, um modelo reservado apenas aos grandes players (mais um jargão corporativo). Essa barreira emocional acaba afastando muitas pessoas que poderiam genuinamente se beneficiarem desta estrutura corporativa nos seus negócios e planejamento patrimonial.

 

Em sua tradução literal, offshore significa “fora da costa”, algo que está além dos limites terrestres ou marítimos de um país. No início da sua utilização no mundo dos negócios, a expressão referia-se a atividades que eram conduzidas fora da costa, em ilhas ou navios por exemplo, mas, ainda assim, dentro de uma mesma jurisdição. Com o desenvolvimento do comércio internacional, que deixou de ser exclusivo de países e grandes corporações, passou-se a utilizar esta expressão para se referir a operações que eram conduzidas a partir de outra jurisdição, sujeitas as leis próprias daquele local.

 

Nesse contexto, ainda que uma offshore possa ser constituída com intenções escusas, o fato é que constituir uma empresa ou transferir patrimônio para outro país, por si só, não representa qualquer ilegalidade. Mesmo que a offshore seja constituída em uma jurisdição classificada pelas autoridades brasileiras como um “paraíso fiscal” (do inglês tax haven, consistindo em locais onde a tributação é bastante favorável ao investidor), se observados os requisitos legais e de compliance aplicáveis, não há problema algum.

 

Entretanto, é importante destacar que a constituição de uma offshore em um paraíso fiscal traz consigo consequências que devem ser consideradas pelo investidor, tais como o fato de atrair tributação agravada, na qual os lucros auferidos são tributados no Brasil pelo regime de lucro presumido ou arbitrado, a uma alíquota mais elevada, aplicação de normas de preço de transferência (transfer price), e um controle fiscal mais rigoroso. Ainda assim, dependendo do contexto envolvido, esta pode ser uma alternativa.

 

Mas o que se pretende desmistificar através deste artigo não são os detalhes técnico-jurídicos de uma offshore, mas sim o seu conceito e aplicação, principalmente no que diz respeito ao planejamento patrimonial e internacionalização de empresas.

 

No contexto da internacionalização de operações, por exemplo, selecionar a jurisdição mais adequada considerando os produtos e/ou serviços a serem exportados, ou mesmo produzidos ou prestados localmente no exterior, pode trazer impactos relevantes aos resultados. Já na utilização desta estrutura para a proteção patrimonial, ela pode oferecer diversas vantagens, tais como a diversificação de riscos, maior confidencialidade, planejamento sucessório, otimização fiscal, bem como uma camada adicional de proteção contra litígios que possam atingir o patrimônio alocado.

 

Há que se considerar, contudo, que uma offshore não é um escudo inviolável no qual o patrimônio alocado estará completamente inacessível. A lei internacional, em especial ao longo das últimas duas décadas, vem se aprimorando no sentido de virtualmente extinguir a possibilidade de total anonimato e inacessibilidade de informações e patrimônio, principalmente no contexto do combate ao terrorismo e à lavagem de dinheiro.

 

Ainda assim, os benefícios advindos de constituir uma empresa em uma economia estável, em um ambiente pró-empreendedor, dotado de segurança jurídica e legislação clara e eficiente, aliados ao natural “desincentivo” causado a eventuais perseguidores do patrimônio causado pela localização distante e os custos relacionados ao litígio internacional, fazem da offshore uma excelente alternativa.

 

Para tanto, é fundamental que a estruturação e gestão de empresas offshore sejam feitas com a assistência de profissionais especializados em internacionalização de empresas, direito tributário e empresarial, para assegurar a conformidade com todas as obrigações legais e regulatórias, tanto no Brasil quanto nas jurisdições onde a empresa offshore será constituída, já que a adoção de práticas não conformes pode resultar em consequências legais e fiscais significativas.

 

Fernando Abel Evangelista

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