O segredo industrial fere o direito fundamental à informação das populações?
23 de abril de 2022
Saiu na Imprensa
A legislação brasileira, assim como a de outros países, baseada no artigo 39 do Acordo TRIPs (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), confere proteção às informações confidenciais das empresas, notadamente o segredo industrial e o segredo de comércio.
Em síntese, o segredo industrial é um conhecimento lícito e restrito a algumas pessoas legitimamente autorizadas, com utilização materializada na atividade empresarial, cuja proteção enseja em vantagem econômico-competitiva ao seu titular. A exemplo, cite-se as famigeradas fórmulas secretas de alimentos e bebidas.
A tutela internacional deste bem jurídico se justifica pela coibição à concorrência desleal, isto é, a utilização indevida das informações confidenciais de titularidade da empresa por terceiros que possam se beneficiar ardilosamente dos esforços de outrem. Por esta razão, no Brasil, este direito é tratado como fundamental, pois atrelado à proteção aos inventos industriais.
Todavia, em que pese tal tratamento seja dado inclusive pela jurisprudência pátria, parte da doutrina resiste em concordar com o status de direito fundamental conferido à propriedade industrial. O Professor Constitucionalista José Afonso da Silva, por exemplo, argumenta que a natureza deste instituto não se confunde com o direito inerente à vida da pessoa humana, mas sim às normas de ordem econômica.
Por outro lado, a Constituição Federal também categoriza como fundamental o direito à informação. Isto é, a possibilidade de instruir-se tanto no âmbito público, quanto no âmbito privado, para o fim de esclarecer-se, por exemplo, no campo das relações negociais.
Para além do direito fundamental à informação, preocupou-se o legislador consumerista em expressar claramente esta prerrogativa ao consumidor, conforme se observa do inciso III do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor. Esta premissa é, ainda, ratificada pelo artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que tal dispositivo prevê a obrigação de o fornecedor colocar no mercado produtos com a informação precisa, dentre outras características, de sua composição .
Sobre o tema, no entanto, o Mestre em Direito Javier Fernandez e o advogado Gustavo de Freitas Morais entendem que, como direito fundamental instituído pela constituinte, a propriedade intelectual não pode ser violada. Neste caso, as informações confidenciais, não podem ser divulgadas em nome do direito à informação.
Há aqui, pois, um conflito de normas. Isto porque, enquanto o segredo industrial assegura às empresas o sigilo, entre outros, de composição e processos de fabricação de seus produtos, o direito à informação confere ao consumidor (em tese) a prerrogativa de saber quais os componentes destes bens para melhor instruir a sua liberdade de escolha. No entanto, na prática, a proteção ao segredo industrial prevalece.
Existe um risco, portanto, de danos à saúde do consumidor em razão da ingestão de produtos alimentícios com componentes perigosos, utilizados na produção dos alimentos e sem o conhecimento público. É o caso recente ocorrido com a Cervejaria Backer em Minas Gerais, cujo incidente vitimou inúmeros consumidores em razão de contaminação por substância maléfica utilizada na refrigeração de cervejas, cuja informação não era disponível à sociedade.
A advogada e Doutora em Direito Comercial Elisabeth Kasznar Fekete, argumenta que nos Estados Unidos, por exemplo, tem-se levantado a questão de que talvez o conceito atual de segredo de negócio (engloba segredo industrial e comercial) pode não ser o mais adequado no contexto das áreas de segurança e saúde.
Em razão desta problemática, bem como da ascensão do consumidor contemporâneo, o qual busca cada vez mais conhecer a fundo os alimentos e produtos que consome, é provável que nos próximos anos o Poder Judiciário receba demandas com o objetivo de suprir tal controvérsia. Cabendo-lhe, portanto, resolver os casos em concreto, sopesando o direito à informação das populações e, a proteção aos inventos industriais que tanto fomenta a criação. Sem prejuízo da revisão no tratamento destas prerrogativas. Tarefas árduas estas, pode-se seguramente afirmar.
A conferir.
Thays Silva Feitosa, estagiária, sob a supervisão da Dra. Maria Fernanda Silva Sousa, do Cerqueira Leite Advogados, pós-graduada em Direito Civil pelo Mackenzie e pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito.
Fonte: Segs