Mudanças de Interpretação da SEFAZ-SP sobre o Cálculo do ITCMD favorecem Contribuintes e Planejamento Patrimonial

Não apenas de interpretações que escorcham o contribuinte se valem as autoridades fiscais brasileiras. Por vezes, o bom senso prevalece.

 

Reportagem recentemente veiculada pelo jornal Valor Econômico [Fisco paulista aceita cálculo de ITCMD favorável a contribuintes, de 05 de outubro de 2023] dá conta de que a SEFAZ paulista vem adotando entendimento que permite o uso do valor patrimonial contábil da empresa, ao invés do seu valor de mercado, como base de cálculo do ITCMD nas hipóteses em que ocorre doação de ações ou quotas sociais.

 

O ITCMD – ou Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – é o tributo devido quando se efetiva a transferência de um determinado bem ou direito em razão da morte de seu proprietário ou por doação feita por deste. Trata-se de um tributo estadual. É em relação a este segundo cenário que a Fazenda estadual de São Paulo tem se posicionado favoravelmente ao contribuinte, admitindo a eleição do valor patrimonial contábil da empresa no cálculo.

 

Segundo a reportagem, a razão desta nova interpretação do Fisco estadual tem fundo racional e de eficiência: evitar o desperdício de tempo e recursos que serão gastos pelo órgão para contestar ações judiciais aforadas por contribuintes inconformados e defender posições que serão fatalmente rejeitadas por um Judiciário que já firmou convencimento sobre a questão. Em outras palavras, o Fisco estadual concluiu que seguir a jurisprudência fixada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo é mais econômico e eficiente.

 

De fato, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou reiteradamente que o valor para a base de cálculo do ITCMD é o valor patrimonial contábil das quotas ou ações quando se tratar de empresa não listada em bolsa (neste sentido, ver exemplos nas Apelações nº 1004565-06.2014.8.26.0032, nº 1019573-57.2014.8.26.0053 e 1005874-91.2016.8.26.0032), uma vez se entender perfeitamente legítimo que a avaliação dos bens imobilizados do ativo seja feita pelo “custo de aquisição”, e não pelo valor de mercado.

 

Isto, porque a Lei Estadual nº 10.705/00 – que rege o ITCMD em São Paulo – não esclarece se o valor a ser utilizado como base de cálculo do ITCMD é o patrimonial contábil ou o patrimonial real das quotas ou ações quando não houver listagem. Em seu artigo 14 caput e §3, a lei dispõe que “[n]o caso de bem móvel ou direito não abrangido pelo disposto nos artigos 9º, 10 e 13, a base de cálculo é o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo”, mas que “[n]os casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, admitir-se-á o respectivo valor patrimonial”. Não havendo norma cogente, a escolha fica a critério do contribuinte.

 

Nos dizeres do Tribunal, “[a] Lei Estadual nº 10.705/00, com alterações da Lei nº 10.992/2001, não esclarece se o valor a ser utilizado como base de cálculo do ITCMD é o valor patrimonial contábil ou o valor patrimonial real das quotas […]. Assim, ante a ausência de previsão legal que determine que o valor patrimonial da quota a ser utilizado como base de cálculo do ITCMD seja o valor patrimonial real, deve ser aceito o valor patrimonial contábil utilizado [pelo contribuinte]. Não há qualquer vedação legal à utilização do valor patrimonial contábil da quota no cálculo do ITCMD.” (grifos nossos – Apelação nº 1005874-91.2016.8.26.0032)

 

Este posicionamento da SEFAZ traz alguns benefícios interessantes em termos de planejamento patrimonial, uma vez que empresas de participações (holdings), além de se prestarem à função precípua de organização do patrimônio, passam também a produzir economia tributária adicional, vez que se facultará ao contribuinte – ao incorporar bens e direitos a sua empresa de participações (holdings) e, então, ainda em vida doar as quotas sociais representativas daquela empresa a seus herdeiros – recolher o ITCMD com base do valor patrimonial contábil. E caso o valor doado não ultrapasse o limite de isenção do ITCMD de 2.500 UFESPs (atualmente equivalente a R$ 85.650,00) para cada um dos donatários, não haverá recolhimento algum.

 

Vale lembrar que a alíquota de ITCMD é de 4% em São Paulo, uma das mais baixas do país. A reforma tributária, em fase final de aprovação, pretende estabelecer que a alíquota do tributo seja obrigatoriamente progressiva, com base no valor da doação (ou da herança, em caso de falecimento). Em vista deste cenário, o momento atual se torna uma ótima janela de oportunidade para se colocar em marcha um planejamento patrimonial bem estruturado, que faça uso de todas as ferramentas legalmente admitidas, incluindo as doações.

 

O planejamento patrimonial se apoia em um tripé que inclui também o planejamento sucessório e a proteção patrimonial, em adição à economia tributária. Todos estes são objetivos legítimos e que podem – e devem! – ser perseguidos desde que em conformidade com as normas legais. Tanto melhor quando a interpretação destas normas por parte do contribuinte e do Fisco está alinhada.

 

O Cerqueira Leite Advogados fica à disposição para auxiliar nestes passos.

 

 

Por Dr. Nelson Filho

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