Ausência de respaldo legal para citação por redes sociais e aplicativos de mensagens

Não é novidade que o mundo mudou e se tornou mais virtual, de modo que, atualmente, é difícil encontrarmos uma pessoa que não tenha acesso às redes e mídias sociais.

De acordo com um levantamento realizado pela Comscore, o Brasil é terceiro país que mais consome redes sociais em todo o mundo. [1]

Trazendo o tema para o ordenamento jurídico e seus reflexos práticos, a controvérsia sobre o uso das redes sociais e a citação nos processos judiciais teve início em meados de 2017, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou o uso de ferramentas tecnológicas para a comunicação de atos processuais.

A discussão foi acirrada com a gravíssima crise  sanitária decorrente da pandemia do Covid no início de 2020, e agravada pela publicação da Resolução CNJ 354 no mesmo ano, regulamentando o cumprimento digital dos atos processuais.

Além disso, a Lei nº 14.195 de 26 de agosto de 2021 trouxe mudanças relevantes ao artigo 246 do CPC, alterando sua redação para possibilitar a citação por meio eletrônico, mais especificamente por e-mail, seguindo um procedimento específico e minucioso para garantir a confirmação e validade dos atos praticados.

A controvérsia em torno da comunicação por redes sociais e aplicativos de mensagens evidencia a complexidade de equilibrar a modernização do sistema judiciário com a preservação dos princípios fundamentais do direito.

Contudo, as normas aprovadas durante e após a pandemia do Covid nunca trataram e autorizaram a possibilidade de comunicação por aplicativos de mensagens ou de mídias sociais, como foi objeto de inúmeros pedidos acatados pelos Tribunais Estaduais, a exemplo do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo nos autos do Agravo de Instrumento nº 2162772-07.2022.8.26.0000, de 25 de julho de 2022, que autorizou a citação do Réu por meio do aplicativo “whatsapp”, e-mail ou qualquer outro meio eletrônico disponível, uma vez que o Requerido havia publicado em suas redes sociais que à época se encontrava na Europa e as tentativas anteriores de citação haviam sido frustradas.

Diante da controvérsia da matéria, diversos recursos chegaram ao STJ, que decidiu, através acórdão proferido pela Terceira Turma do Colegiado, que a “comunicação de atos processuais, intimações e citações, por aplicativos de mensagens ou redes sociais, hoje, não possui nenhuma base ou autorização da legislação e não obedece às regras previstas na legislação atualmente existente para a prática dos referidos atos, de modo os atos processuais dessa forma comunicados são, em tese, nulos.” [2]

Ou seja, o STJ pacificou o entendimento, pelo menos até o momento, de que as citações por redes e mídias sociais são nulas, em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas privilegiado pelo codex processual, especialmente considerando-se que os advogados que atuam com processos em todo o território nacional sofrem com as diversas regulamentações adotadas pelo Tribunais Estaduais, e, por vezes, comarcas do mesmo Estado, o que evidencia a necessidade da adoção de uma norma federal que uniformize esses procedimentos, com regras isonômicas e seguras para todos.

Embora a decisão do STJ tenha assegurado o devido processo legal e o amplo direito de defesa, em verdade, apenas postergou momentaneamente a discussão sobre o tema, uma vez que tramita perante o Poder Legislativo o PLS nº 1.595/2020, que busca implementar a prática de comunicação de atos por aplicativos de mensagens ou redes sociais.

Artigo escrito em 02/02/2024 por Gabriela Brocadello Junqueira, advogada da área cível do escritório de advocacia Cerqueira Leite Advogados Associados.

[1]https://forbes.com.br/forbes-tech/2023/03/brasil-e-o-terceiro-pais-que-mais-consome-redes-sociais-em-todo-o-mundo/

 

[2] Trecho extraído do acórdão do REsp 2026925(2022/0148033-2 de 14/08/2023)

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