Fruto do Estado Democrático de Direito, a liberdade de expressão é um direito fundamental, positivado pelo ordenamento jurídico, que admite a manifestação do pensamento livre de interferência estatal ou qualquer forma de censura.

 

Ao recepcioná-lo e conferir-lhe ampla proteção, o objetivo da Constituição Federal é assegurar a participação social em pautas de interesse coletivo, reforçar o pluralismo de ideias e contribuir para a consolidação de uma sociedade livre.

 

Mas se de um lado a Constituição Federal prestigia a liberdade de expressão ao dispor, especificamente em seu artigo 5º, incisos IV e IX, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, por outro lado consagra o direito de resposta do ofendido e a inafastabilidade do controle jurisdicional ao determinar, especificamente em seu artigo 5º, incisos V e XXXV, que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

 

Significa dizer que o exercício de tal prerrogativa não é absoluto e deve ser exercido nos limites da lei. Inúmeras variáveis devem ser ponderadas ao publicar, difundir e propagar convicções, sobretudo a hipótese de o direito de fala ferir frontalmente valores relativos à honra, imagem ou a intimidade de outrém, direitos ligados à personalidade e também invioláveis à luz do texto constitucional.

 

Não por outro motivo, a Carta Magna assegura a livre manifestação do pensamento mas veda o anonimato, preservando o direito do terceiro de buscar o desagravo e a justa reparação sempre que vir-se atingido pelo abuso ou excesso do outro no exercício de sua liberdade de opinião.

 

Forte em tal premissa, muito embora a redação do Código de Processo Civil lecione ser competente o foro “do lugar do ato ou fato” nas ações de reparação de danos (art. 53, IV, alínea “a”), a atual jurisprudência curva-se ao afastamento da aplicação literal e engessada da norma processual civil ao reconhecer que, tratando-se de ilícito cometido na internet, o foro competente para julgamento da demanda será o de domicílio do Demandante.

 

E isto porque, se não raras vezes é difícil ao ofendido levar à juízo a identificação do autor da ofensa, de modo a viabilizar seu chamamento ao processo, mais penoso é apurar o exato local de onde se pratica a infração para, enfim, aplicarem-se as regras ordinárias de competência territorial instituídas pelo direito processual civil.

Além disso, o local onde reside o ofendido tende a ser onde o agravo ganhará maior notoriedade, de modo que, neste perímetro, é possível que soem os maiores ecos da prática delituosa.

 

Ao julgar o REsp 2032427/ SP, em 27/4/2023, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, havendo divulgação de ofensas por redes sociais, a competência para julgamento da ação é do foro do domicílio da vítima, mormente em razão de ser este o local da ampla divulgação do ato ilícito e onde ganhará maior repercussão. (REsp n. 2.032.427/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 27/4/2023, DJe de 4/5/2023.)

 

No informativo de Jurisprudência nº 774 do STJ, inclusive, referido julgado recebeu o seguinte destaque: “A competência para julgamento de ação de indenização por danos morais, decorrente de ofensas proferidas em rede social, é do foro do domicílio da vítima, em razão da ampla divulgação do ato ilícito”. (Fonte: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Informjuris20/article/view/12857/12962, p. 22. )

 

Evidentemente, a interação por detrás das telas não deve ser subterfúgio para que os conectados escapem aos rigores da lei, cabendo ao Poder Judiciário intervir para que o ambiente virtual não constitua óbice à responsabilização do ofensor.

 

E porquanto impossível o avanço do ordenamento jurídico a tempo e modo como inovam-se os formatos de comunicação através das mídias sociais, fontes secundárias do direito operam de forma articulada e propensa a contribuir para que o combate às condutas ilícitas praticadas perante a rede mundial de computadores não esteja prejudicada pela falta de alcance da norma, colocando a salvo o exercício dos direitos inerentes à livre manifestação intelectual, artística, política ou filosófica, sem descuidar da aplicação das sanções civís e penais oponíveis à prática de ciberbullying.

 

Não se trata da aplicação indistinta do texto normativo, mas de sua interpretação flexível e atenta aos novos modelos comportamentais, tudo a conferir-lhe irrestrita abrangência e garantir que direito e norma caminhem de forma harmônica e substancialmente ritmada.

 

Artigo escrito em 19/03/2024 por Mariana Caruzzo Marino, advogada da área cível do escritório de advocacia Cerqueira Leite Advogados Associados.

Em certos momentos da rotina empresarial pode surgir a necessidade de se complementar provisoriamente o quadro de funcionários. É o que ocorre, por exemplo, em determinadas épocas do ano em que há o aquecimento da atividade comercial, como ocorre no mês de dezembro.

De igual modo ocorre quando é preciso suprir a ausência de funcionários em períodos de férias ou outras licenças.

Para todas essas situações é possível contratar trabalhadores temporários, cujas especificidades serão apontadas a seguir.

O trabalho temporário é regido pela Lei nº 6.019/1974, que o conceituou como sendo aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar.

A empresa que precisa deste tipo de contratação somente poderá fazê-lo por meio de empresas registradas no Ministério do Trabalho, sendo vedada a contratação direta entre a empresa contratante e o empregado a ser contratado temporariamente.

Diante da vedação da contratação direta, o contrato é firmado entre a empresa contratante e a empresa fornecedora do funcionário temporário. Trata-se, portanto, de uma relação cível entre as empresas e não há o vínculo empregatício entre a contratante e o empregado fornecido pela fornecedora, sendo a responsabilidade da contratante limitada à responsabilidade subsidiária pelos direitos do empregado.

Importante ressaltar que o contrato temporário tem o prazo máximo de 180 dias de duração, podendo, no entanto, ser renovado por mais 90 dias. Além disso, para poder ser realizado, é preciso que seja justificado. Em outras palavras, é preciso que conste no contrato os motivos que levaram à contratação temporária e as datas de início e término do trabalho, além das informações sobre o serviço a ser cumprido pelo empregado e sua remuneração.

Uma outra especificidade estabelecida pela Lei nº 6.019/1974 é que o trabalhador temporário, embora não tendo vínculo direto com a empresa contratante ou tomadora dos serviços, terá os mesmos direitos concedidos aos demais empregados, tais quais: treinamentos; atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante; utilização do serviço de transporte; uso do refeitório, quando existente; e fardamento, tudo de forma exemplificativa.

Além dos direitos referidos acima, os trabalhadores temporários também têm os mesmos direitos trabalhistas legais, como férias proporcionais acrescidas de 1/3, 13º salário proporcional, descanso semanal remunerado, horas extras, PIS, FGTS etc.

Com a rescisão contratual em razão do término normal do contrato de trabalho temporário, em razão de dispensa sem justa causa ou em razão de pedido de demissão, o empregado temporário terá direito de receber a seguintes verbas rescisórias: saldo de salário, férias proporcionais e 13º salário proporcional.

Em caso de rescisão sem justa causa, não há indenização alguma, tanto por parte da empresa como por parte do empregado. Em outras palavras, não há aviso prévio nem qualquer outro tipo de indenização em razão do término antecipado do contrato de trabalho.

Diante das particularidades do contrato de trabalho temporário, é possível perceber que pode ser vantajoso para as partes envolvidas, pois é mais barato para a empresa contratante e o empregado pode ter acesso ao mercado de trabalho e obter mais experiências profissionais, podendo, inclusive, até ser efetivado pela empresa contratante.

Empresas operacionais e holdings de participação desempenham papéis distintos no mundo dos negócios e investimentos. Enquanto as empresas operacionais estão diretamente envolvidas na produção e oferta de bens e serviços, as holdings de participação adotam uma abordagem mais indireta, investindo em outras empresas com o objetivo de obter lucro com a valorização de suas participações societárias ou mesmo são constituídas com viés de planejamentos patrimoniais, sucessórios e estruturações mais complexas.

 

Empresas Operacionais:

Empresas operacionais, portanto, são aquelas cujas atividades principais estão relacionadas à produção de bens tangíveis ou intangíveis, ou, ainda, à prestação de serviços. Elas estão diretamente envolvidas na cadeia de valor, desde a concepção do produto até a entrega ao consumidor final. Exemplos de empresas operacionais incluem fabricantes de automóveis, empresas de tecnologia, varejistas e prestadores de serviços de saúde.

As empresas operacionais, independente do seu ramo, concentram seus esforços na melhoria contínua de processos, no desenvolvimento de produtos/serviços inovadores e na expansão de sua base de clientes. Elas buscam maximizar a eficiência operacional, controlar custos e oferecer produtos ou serviços de alta qualidade para garantir a satisfação do cliente e a competitividade no mercado.

Pelas razões expostas acima, as empresas operacionais possuem um papel primordial no crescimento econômico, geração de empregos, inovação e criação de novos produtos e tecnologias, sendo uma fonte importante de riqueza para economia e ajudando a sustentar o consumo e o investimento.

Holdings de Participação:

Já as holdings de participação, também conhecidas como empresas de investimento, são organizações que investem em outras empresas, podendo adquirir participações societárias mais ou menos significativas a depender de sua estratégia no negócio. Seu principal objetivo é obter retorno financeiro com a valorização dessas participações, bem como com dividendos e outros pagamentos distribuídos pelas empresas investidas.

O embasamento legal das holdings está na Lei 6.404/76, conhecida como a Lei das Sociedades por Ações, a qual estabelece em seu artigo 2º, parágrafo 3º, que: “a companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades”. Estas empresas usualmente centralizam de forma unificada o processo de tomada de decisões em todos os níveis das empresas operacionais que controla.

Para identificar oportunidades de investimento sólidas, avaliam o desempenho financeiro, o potencial de mercado e a gestão das empresas-alvo.

Estas empresas realizam um papel importante no mercado de capitais, fornecendo capital de investimento para empresas em crescimento e facilitando transações de fusões e aquisições. Elas contribuem para a alocação eficiente de recursos, ajudando as empresas a expandirem suas operações e alcançarem seus objetivos estratégicos. Além disso, elas podem oferecer expertise e orientação estratégica às empresas investidas, contribuindo para seu sucesso a longo prazo.

Além do retorno financeiro, as empresas de participação também são frequentemente utilizadas como uma estratégia de proteção patrimonial e sucessória. Ao investir em diferentes empresas e setores, as famílias empresárias podem diversificar seu patrimônio e reduzir o risco associado a um único negócio ou setor. Além disso, a estrutura das empresas de participação permite uma distância ainda maior do patrimônio pessoal e empresarial, protegendo os ativos familiares em caso de problemas legais ou financeiros em uma das empresas investidas. Isso pode ser especialmente importante em situações de planejamento sucessório, onde a continuidade dos negócios e a preservação do patrimônio familiar são prioridades.

A holding de participações é, de fato, o mecanismo ideal para mitigar possíveis impactos de mudanças no patrimônio dos sócios ou riscos pessoais associados a eles em relação às empresas operacionais. Isso fica evidente em situações como uma separação litigiosa de um dos sócios, na qual a participação na empresa operacional está em disputa, ou em casos de penhoras de participações, como outro exemplo. As consequências de uma restrição judicial sobre as participações de uma holding tendem a ser muito menos prejudiciais do que aquelas sofridas diretamente sobre as participações da empresa operacional que podem causar potencialmente irreversíveis a curto prazo.

No que diz respeito à sucessão patrimonial, as holdings desempenham um papel importante na redução ou até mesmo na eliminação do processo de inventário. Após sua constituição, a nua-propriedade das ações e quotas pode ser doada aos herdeiros, com reserva de usufruto vitalício para o doador, antecipando assim o processo sucessório.

É importante que, para garantir que a proteção patrimonial seja conduzida de maneira estratégica e eficaz, este processo seja realizado por profissionais qualificados e especializados para orientar o cliente. Especialmente por se tratar de uma ação interdisciplinar que impacta diretamente o patrimônio familiar acumulado ao longo da vida.

Dessa forma, é evidente que as holdings desempenham um papel crucial na proteção, organização e gestão patrimonial. Com a orientação de especialistas qualificados, elas oferecem um meio seguro para gerar lucros, simplificar processos burocráticos e proteger o patrimônio contra ameaças externas. Além disso, as holdings emergem como aliadas valiosas no planejamento sucessório, uma prática que ganha cada vez mais destaque e incentivo entre profissionais especializados.

A equipe societária e a equipe tributária do Cerqueira Leite Advogados possuem uma grande expertise nesta área e estão à disposição para auxiliar você e sua empresa neste processo.

 

Por: Nathalia Carlet

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ontem, 13/03/2024, que não há um limite máximo para as contribuições ao Sistema S por parte das empresas, modificando a jurisprudência anterior que permitia o cálculo considerando um teto de 20 salários mínimos.

Esta decisão afeta diretamente as empresas que se baseavam na posição até então favorável aos contribuintes, inclusive com duas decisões em plenário pelo STJ, onde autorizava os contribuintes à aplicação do limite de 20 salários mínimos para cálculo das contribuições a terceiros.

A decisão de ontem implica na necessidade de atenção imediata por parte das empresas e seus gestores e ajustes de suas práticas contábeis e fiscais. Há ainda potenciais contingências com relação ao passado e aumentos nos valores a serem contribuídos daqui para frente.

A decisão foi tomada pela maioria simples dos votos (3×2) e demonstra a insegurança jurídica que vive as empresas brasileiras em se tratando de interpretações de legalidade e constitucionalidade, respectivamente pelo STJ e STF, e que sempre implicam num impacto financeiro relevante para muitas organizações.

Em resposta a essa mudança, é essencial que as empresas revisem suas práticas de cálculo da contribuição aos terceiros e considerem as implicações financeiras dessa nova interpretação. A modulação de efeitos tende a beneficiar apenas as empresas que já tinham decisão favorável, administrativa ou judicial, até a data do dia 25 de outubro de 2023 (data do início do julgamento) e tende a ser válida somente até a data da publicação do julgamento de ontem.

A publicação do acórdão bem como da modulação de efeitos ocorrerão em breve. A modulação de efeitos tenta minimizar a insegurança jurídica trazida por tal julgamento que altera a jurisprudência do próprio STJ, no intuito de resguardar direitos dos contribuintes que já obtiveram decisão favorável, antes do início do julgamento, evitando assim maiores desembolsos financeiros pelas empresas que discutem o assunto há décadas.

Estamos acompanhando este assunto e tão logo tenhamos movimentações ou publicações vinculadas a este assunto, disponibilizaremos em nossas mídias sociais. Nossa equipe técnica permanece à disposição de nossos clientes para esclarecer dúvidas e auxiliar no entendimento da decisão e na adaptação desta nova realidade jurídica.

 

Artigo escrito em 14/03/2024 por Yuri Guimarães Cayuela, advogado, contador e head da área tributária do escritório de advocacia Cerqueira Leite Advogados Associados.

Em publicações passadas tratamos das duas modalidades principais de contratos de trabalho, ou seja, do contrato de trabalho por prazo determinado e do contrato de trabalho por prazo indeterminado.

Na presente publicação, trataremos sobre o contrato de trabalho por safra, que também se trata de um contrato de trabalho por tempo determinado e traz consigo algumas peculiaridades que serão exploradas adiante.

O contrato por safra, utilizado no meio rural, é regido pela Lei. 5.889/1973, pelo Decreto nº 10.854/2021 (que revogou o Decreto nº 73.626/1974, que tratava especificamente sobre a matéria), e pelas normas constitucionais e celetistas.

Trata-se de um contrato de trabalho por tempo determinado que depende de variações estacionais das atividades agrárias, compreendendo o período entre o preparo do solo para o cultivo e a colheita.

Como a duração do contrato depende das variações estacionais das atividades agrárias, não há a necessidade de se estabelecer uma data para o término da relação contratual. Isto porque, em razão das referidas variações, o período do contrato poderá não ser exato, pois a colheita, por exemplo, poderá demorar um pouco mais para poder ser realizada. Também é possível estender a duração, visto que a safra também compreende o plantio logo após a colheita.

Diante da imprevisibilidade com o período da safra, é possível inserir no contrato de trabalho o nome do produto agrícola e o ano. Por exemplo, pode-se inserir “safra da soja/2024”, “safra do café/2024” etc.

O safrista, ou seja, o empregado contratado sob um contrato de safra, tem os mesmos direitos trabalhistas inerentes a quaisquer outros empregados, tais quais: férias + 1/3, 13º salário, descanso semanal remunerado, FGTS, salário família e outros direitos estabelecidos em convenções e acordos coletivos de trabalho.

Importante ressaltar que, conforme estabelecido pela Lei 5.889/73, o término natural do contrato de trabalho confere ao empregado o direito de receber uma indenização de tempo de serviço, cujo valor deverá ser equivalente à 1/12 avos do salário mensal por mês de serviço ou fração superior a 14 dias.

A indenização acima faz parte do rol de verbas rescisórias devidas ao empregado com o término natural do contrato de trabalho, ou seja, pelo fim do prazo do contrato de trabalho. À referida indenização serão somadas as demais verbas, como férias + 1/3 e 13º salário.

Caso a rescisão contratual ocorra por iniciativa do empregador, sem justa causa e antes do término natural do contrato, o empregado terá direito às seguintes verbas rescisórias: férias proporcionais +1/3, 13º proporcional, indenização correspondente a metade da remuneração a que teria direito até o termo final do contrato e a multa de 40% sobre o saldo do FGTS, além de, havendo, saldo de salário e outras verbas inseridas em convenções e/ou acordos coletivos de trabalho.

Caso a rescisão ocorra a pedido do empregado antes do término do contrato de trabalho, as suas verbas rescisórias serão compostas apenas pelo saldo de salário, pelo 13º proporcional e pelas férias proporcionais acrescidas de 1/3. No entanto, o empregador poderá descontar das verbas do empregado o valor correspondente à indenização que o empregado teria direito de receber caso a rescisão antecipada do contrato tivesse sido de iniciativa do empregador.

O Acordo Paulista é um programa do Governo do Estado, com base na Lei 17.843/23, que prevê a possibilidade de contribuintes firmarem acordos com a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo para parcelamento dos débitos inscritos em Dívida Ativa com desconto de 100% dos juros de mora e 50% de multas e encargos legais.

 

O primeiro edital do programa (Edital PGE/Transação nº 01/2024) foi publicado no Diário Oficial do Estado no dia 07/02/2024 e propõe transação tributária para débitos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que estejam inscritos em dívida ativa.

 

Além dos descontos extremamente atrativos (100% dos juros de mora e 50% de multas e encargos legais), poderão ser utilizados depósitos judiciais, valores bloqueados, indisponibilizados ou penhorados, precatórios, créditos líquidos, certos e exigíveis próprios ou de terceiros, créditos acumulados de ICMS (que podem ser adquiridos de terceiros, com aval da SEFAZ e com deságio) e créditos do produtor rural para quitar até 75% do saldo total.

 

O crédito final líquido poderá ainda ser parcelado em até 120 meses, com parcela mínima de R$ 500,00 (quinhentos reais) e entrada de 5% (cinco por cento) que deve ser paga em dinheiro ou com a utilização de eventuais valores bloqueados ou penhorados administrativa ou judicialmente.

 

Não poderão ser incluídos desta modalidade de transação (i) débitos outros que não sejam ICMS inscritos em dívida ativa; (ii) ICMS destinado ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (FECOEP); (iii) débitos integralmente garantidos por depósito, seguro garantia ou fiança bancária em ação com decisão transitada em julgado favoravelmente à Fazenda do Estado; (iv) débitos de transações/acordos rescindidos nos últimos 2 (dois) anos.

 

Vale ressaltar que a adesão à transação do referido edital obriga o devedor a confessar a dívida e renunciar a quaisquer direitos que fundamentam impugnações, recursos administrativos, ações judiciais individuais ou coletivas e/ou recursos que tenham por objeto as dívidas incluídas na transação, recolher as custas e despesas processuais incidentes nas ações, além de concordar com a manutenção das garantias já existentes e com o levantamento de todos os depósitos judiciais em favor da Procuradoria.

 

Com o pagamento da entrada e efetiva celebração da transação, as execuções fiscais ficarão suspensas como determina o Código Tributário Nacional (art. 151, VI) e os processos judiciais permaneceram suspensos até a decisão homologatória da renúncia formulada pelo devedor. Lembrando que, somente serão liberados os bens penhorados ou indisponibilizados nas ações quando houver a quitação do acordo.

 

A adesão ao programa poderá ser realizada até o dia 29/04/2024 através do site www.dividaativa.pge.sp.gov.br/transacao. Para o devedor de ICMS o acesso é feito pela senha eletrônica do Posto Fiscal Eletrônico. É possível também acessar pelo GOV.BR e pelo acesso sem senha, com posterior autenticação.

 

Nos próximos meses, a PGE deverá publicar novos editais para transação de outros débitos. Sem prejuízo, o Acordo Paulista ainda prevê a possibilidade de o contribuinte requerer e celebrar transações individuais, conforme as especificidades dos casos concretos.

 

Portanto, as empresas devem se manter atentas e aproveitar essa e outras oportunidades para reduzir seu passivo e regularizar sua situação fiscal perante o fisco paulista. Sempre que possível devem buscar o apoio de profissionais experientes na área tributária, capazes de identificar as melhores transações, acordos e estratégias para o perfil de cada empresa.

 

Artigo escrito em 05 de março de 2024 por Gerusa Del Piccolo Araujo de Oliveira, advogada sênior da área tributária do escritório de advocacia Cerqueira Leite Advogados Associados.

 

Uma preocupação frequente em muitas empresas atualmente é cultivar um senso de comprometimento e pertencimento entre seus colaboradores, incentivando-os a agir como se fossem proprietários do negócio. Esta abordagem tem impulsionado a adoção de contratos de opção de compra participação societária como uma maneira de os colaboradores vislumbrarem, a longo prazo, uma vantagem além da simples remuneração mensal. Com isso em mente, propomos este artigo para analisar duas abordagens distintas na oferta de participação societária aos colaboradores, destacando suas características principais e auxiliando na escolha daquela que melhor se adapta a sua empresa:

O Programa de Partnership e o Programa de Stock Options.

Primeiramente, vale reforçar que ambos são altamente relevantes no cenário tecnológico atual devido à intensa competitividade entre empresas em busca de talentos qualificados no Brasil. Além disso, a chegada de empresas estrangeiras, impulsionada pela consolidação do trabalho remoto, oferece oportunidades de emprego para brasileiros com remunerações frequentemente mais atrativas do que as ofertadas localmente, devido à valorização do dólar.

A principal distinção entre o programa de Partnership e o de Stock Options reside no fato de que no último, os beneficiários não obtêm imediatamente o direito de se tornarem sócios da empresa. Em vez disso, os colaboradores adquirem esse direito à medida que um período específico, conhecido como período de vesting, transcorre e, geralmente, mediante o cumprimento de determinadas metas.

Por outro lado, no Programa de Partnership, os beneficiários tornam-se sócios no momento da adesão, e podem perder essa participação caso não cumpram requisitos ou metas estabelecidas previamente.

Dadas essas características, o Programa de Stock Options tende a ser mais atraente para empresas que buscam atrair novos talentos, submetendo-os a um período de teste antes de serem admitidos como sócios. Por outro lado, o Programa de Partnership é mais adequado para empresas interessadas principalmente em reter talentos e indivíduos cruciais para suas operações, uma vez que parte do pressuposto de confiança prévia nesses colaboradores ao conceder-lhes a condição de sócios desde o início.

Programa de Partnership na Prática:

Em regra geral, quando uma empresa implementa um Programa de Partnership, ela faz a divisão de seu capital social em bloco de controle (composto pelos fundadores e normalmente com 85%-90% do capital social) e o bloco designado ao Programa de Partnership (composto pelos beneficiários e usualmente com 10%-15% do capital social). Enquanto o primeiro bloco detém o controle absoluto sobre as decisões e assume os riscos operacionais, o segundo bloco é composto pelos membros do programa que possuem por volta de 0,5%-1% do capital social cada um.

Para o bom funcionamento do Programa, é essencial que seja estabelecido um bom acordo de sócios que delimite claramente os direitos, responsabilidades e obrigações de todos os envolvidos, em especial as metas que cada participante do programa deve alcançar, regas de saída e critérios de exclusão do programa, em especial a disposição de que a condição de sócio adquirida pelos participantes pode ser revogada caso não cumpram os requisitos e metas estabelecidos previamente, sendo então obrigados a vender suas participações no capital social aos fundadores por um valor previamente acordado.

Para o gerenciamento, administração e monitoramento do Programa, é criado um comitê que mantém os sócios regularmente informado sobre o progresso dos participantes.

Programa de Stock Options na Prática:

O primeiro passo consiste em determinar a proporção do capital social que será reservada para as Stock Options, pois isso afeta diretamente a diluição dos sócios já existentes na empresa. Após essa definição, o próximo passo é estabelecer os critérios de distribuição das Stock Options e definir termos e condições claros para ambas as partes e que sejam seguros aos sócios já existentes, porém também atraentes aos beneficiários do programa.

Além disso, deve ser estabelecido diretrizes acerca do período de cliff e o período de vesting.

O período de Cliff é aquele em que o colaborador deve manter consistentemente suas responsabilidades na empresa para ter direito à participação societária por meio da compra de quotas ou ações, sendo crucial para a empresa avaliar se o colaborador está cumprindo as obrigações estabelecidas no programa.

Já o período de vesting, é aquele em que o colaborador adquire progressivamente o direito de exercer a compra/subscrição de participação societária, visando obter, ao final do período, a totalidade das quotas ou ações “oferecidas”. A título de exemplo, suponhamos que uma empresa concede ao colaborador 1% das quotas da empresa, desde que ele continue prestando serviços por um prazo de 12 meses (Cliff), a partir do qual ele terá o direito de adquirir 0,5% a cada 12 meses seguintes completados (vesting).

 

Outros aspectos importantes incluem o desligamento do colaborador, a demissão por justa causa e quaisquer negociações adicionais. Além disso, a organização deve considerar cuidadosamente o momento de apresentar o programa de Stock Options (SOP) à equipe, garantindo transparência nas comunicações sobre o assunto. Não é aconselhável estabelecer expectativas de valorização muito baixas ou elaborar um plano excessivamente complexo e difícil de ser atendido.

 

Vale reforçar ainda que a entrada do colaborador como sócio da empresa pode acontecer mais de uma forma a depender de como o programa é estruturado, sendo possível que seja realizado através da subscrição de novas quotas/ações ou ainda da necessidade de cessão por parte dos sócios já existentes de uma fração de suas ações/quotas.

 

Por fim, reforçamos que um dos principais aspectos a serem considerados pela empresa é a distinção entre as Stock Options como um incentivo remuneratório ou uma transação mercantil. A prática mostra que se o plano é bem estruturado não apresenta grande risco, sendo importante, para caracterizar a natureza mercantil, que haja um efetivo desembolso do colaborador para a aquisição da participação, além de que esteja claro que a aquisição é um direito, mas não um dever do beneficiário do programa.

 

A equipe societária do Cerqueira Leite Advogados possui uma grande expertise nesta área e está à disposição para auxiliar sua empresa neste processo.

 

 

Fernando Abel Evangelista

 

“Nem um homem é uma ilha, completo em si próprio”. Essa conhecida frase, de autoria do poeta inglês John Donne (1572 – 1631), foi e continua sendo muito explorada em diversos ensaios filosóficos sobre a natureza gregária do ser humano. Mas, ainda que exista a discussão sobre a necessidade ou não de relacionamentos interpessoais para o bem-estar do homem, há uma área na qual esse relacionamento é indispensável: no mundo dos negócios.

No ambiente de negócios há diversos tipos de relacionamento, aquele com os clientes, com fornecedores, concorrentes, colaboradores, Governo, parceiros, dentre tantos outros. É interessante observar que, para cada tipo de relacionamento, há um tratamento jurídico específico: Direito do Consumidor para os clientes, Direito Contratual para os fornecedores, Direito da Concorrência para os concorrentes, Direito do Trabalho para os colaboradores, Direito Administrativo ou Tributário para o Governo… E para os parceiros?

A realização de parcerias entre empreendedores é extremamente comum. A união de forçar costuma trazer uma série de benefícios para os envolvidos, em especial através do compartilhamento de conhecimentos, habilidades, recursos e, ao final, resultados. Entretanto, é importante que essa parceria seja cuidadosamente ajustada entre os envolvidos, tanto para prevenir futuras discussões sobre o papel de cada um ou sobre a remuneração dos participantes, quanto para que não se configure uma sociedade de fato entre as partes, sujeitando-as, assim, ao Direito Societário.

Mas o que é uma sociedade de fato? Em linhas gerais, uma sociedade fato é uma associação de pessoas físicas ou jurídicas que exercem uma atividade econômica em conjunto, objetivando o lucro, mas que não possui um ato constitutivo formal (por escrito) registrado perante o órgão competente (Junta Comercial ou Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas). Assim, mesmo que formalmente não constituída, em virtude das características que revestem essa atividade conjunta, essas sociedades podem ser reconhecidas pela Justiça como tal.

Dentre as principais características que podem ser suscitadas como fundamento para o reconhecimento de uma sociedade de fato destacam-se a perenidade da parceria, o aporte de recursos pelos parceiros para a estruturação do negócio, como, por exemplo, a aquisição de máquinas ou produtos em conjunto, a locação de um endereço próprio para o desenvolvimento da atividade, a contratação de colaboradores para atender as demandas advindas da parceria, bem como a própria forma como a parceria comercial se apresenta no mercado (não raro, como verdadeira “sociedade”). Estas características denotam a intenção dos parceiros (ainda que não declarada expressamente) de se associarem (affectio societatis[1]).

Mas por que isso é um problema? O reconhecimento de uma sociedade de fato pode trazer repercussões relevantes para os seus membros. Via de regra, uma vez reconhecida a sociedade de fato, ela estará sujeita às normas que regem as sociedades não personificadas e, no que for compatível, pelas normas que regem as sociedades simples. Este conjunto de regramentos previstos nos artigos 986 a 990, e 997 a 1.038 do Código Civil Brasileiro são relativamente simples e muitas vezes não refletem o que as partes, de fato, pretendiam entre si. Dentre estes regramentos, certamente o que mais se destaca diz respeito à responsabilização dos sócios, que podem responder com seu patrimônio pessoal se o patrimônio da sociedade de fato não for suficiente para fazer frente a uma dívida, por exemplo.

Em outras palavras, na hipótese de um dos parceiros contrair uma dívida em prol das atividades comerciais da parceria e não a quitar, o outro parceiro poderá acabar respondendo também por ela. Para tanto, este terceiro que teve seu crédito inadimplido, mas tem ciência da existência desta parceria comercial, poderia ajuizar uma ação de reconhecimento de sociedade de fato e pleitear que esta nova sociedade responda pela dívida e, se o seu patrimônio/recursos não for suficiente, o patrimônio pessoal dos sócios será atingido.

Além disso, há também repercussões importantes no campo fiscal. Uma vez reconhecida a existência da sociedade de fato, ela passa a ser sujeita à tributação de seus resultados, semelhante a uma sociedade regularmente constituída (a falta de formalização não exime a sociedade de fato de sua responsabilidade tributária). Além disso, o entendimento consolidado dos Tribunais é no sentido de que, para fins fiscais, os mesmos princípios que se aplicam às sociedades registradas também são aplicados às sociedades de fato, principalmente no que tange à responsabilidade dos sócios pelas dívidas tributárias.

Assim, para que uma parceria comercial permaneça sendo apenas uma parceria comercial, sujeita ao Direito Contratual, devem ser tomados alguns cuidados básicos, tais como:

-A formalização da parceria através de um contrato escrito versando em detalhes sobre a parceria comercial pretendida, indicando o que cada parte agregará, a sua função, os custos que cada uma arcará, a forma de remuneração, e como a parceria pode ser prorrogada ou encerrada;

-A manutenção de recursos e gestão independentes entre os parceiros, que podem sim atuar em conjunto, mas cada um gerindo a sua parte;

-Na comunicação com terceiros, é importante deixar claro que os parceiros são empresas distintas e independentes, que apelas colaboram em aspectos específicos, e que cada uma responde pelos seus serviços.

 

Estes cuidados relativos à formalização adequada das relações de parceria comercial entre empreendedores são fundamentais para prevenir a caracterização de uma sociedade de fato, protegendo as partes envolvidas de implicações jurídicas indesejadas.

Nesse sentido, é sempre recomendada a consulta a um advogado especialista para orientação e elaboração dos contratos necessários.

A equipe societária do Cerqueira Leite Advogados está à disposição para eventuais dúvidas e esclarecimentos.

[1] Do latim, cujo significado, em tradução livre é “afeição social”, a vontade de duas ou mas pessoas associarem-se ou permanecer associadas.

O imposto seletivo, aprovado no final de 2023, por meio da Proposta de Emenda Constitucional 45/2023, representa uma mudança significativa na estrutura tributária brasileira, visando ajustar a carga tributária de produtos com base em critérios de essencialidade e impacto ambiental ou social. Este imposto incide mais fortemente sobre produtos considerados supérfluos ou prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, reforçando a tendência de utilizar o sistema tributário como instrumento de política pública para incentivar ou desencorajar certos consumos.

Entre os pontos positivos desta medida, destaca-se a sua capacidade de gerar receitas focadas em produtos de menor essencialidade, permitindo, teoricamente, uma redução da carga tributária sobre itens básicos. Isso pode contribuir para uma distribuição de renda mais equitativa, ao aliviar o peso dos impostos sobre a população de menor renda, que destina proporcionalmente mais de seus recursos ao consumo desses produtos essenciais. Além disso, o imposto seletivo tem o potencial de promover práticas de consumo mais sustentáveis, desincentivando a aquisição de produtos que afetam negativamente o meio ambiente.

No entanto, essa política também apresenta desafios e aspectos negativos. Um dos principais é o risco de majoração da carga tributária global, especialmente para empresas que atuam no setor de produtos considerados supérfluos. Essa majoração pode levar a um aumento de preços para o consumidor final e afetar a competitividade das empresas nacionais em relação às estrangeiras, além de possivelmente incentivar o mercado paralelo, afetando a arrecadação.

Para as empresas impactadas por essa majoração, torna-se crucial buscar estratégias legais para a mitigação dos efeitos do imposto seletivo. O planejamento societário e tributário emerge como uma ferramenta fundamental nesse contexto, possibilitando a reestruturação operacional e societária para aproveitamento de regimes fiscais mais vantajosos. Adicionalmente, a obtenção de incentivos fiscais, seja por meio de programas de desenvolvimento regional ou setorial, pode oferecer alívio tributário e fomentar a inovação e o investimento em setores estratégicos.

Diante desse cenário, as empresas devem se manter vigilantes e adaptativas, buscando constantemente atualizações e orientações jurídicas especializadas para navegar no complexo ambiente tributário brasileiro. Entre 2024 e 2026 deverão ser publicadas normas regulamentadoras não apenas do imposto seletivo como da reforma tributária como um todo. A colaboração com profissionais experientes na área, capazes de identificar oportunidades e antecipar desafios, será decisiva para assegurar não apenas a conformidade, mas também a sustentabilidade financeira e operacional no longo prazo.

Artigo escrito em 21 de fevereiro de 2024 por Yuri Guimarães Cayuela, advogado, contador e Head da área tributária do escritório de advocacia Cerqueira Leite Advogados Associados.